“Notas” – 04/05/2017

Sobre Belchior

Nunca fui um admirador dos mais entusiasmados de Belchior; não o considerava medíocre, mas não era compositor cujo trabalho acompanhasse, ou conhecesse, muito. Dele ouvi inteiro um disco apenas, “Era Uma Vez Um Homem E Seu Tempo”, na casa de um colega que o comprara (segundo ele, com certa dificuldade) e o tocou para mim como me apresentando a uma obra que me marcaria. De certa forma, marcou, lembro do momento como agora.

Me lembro, pois, que ali tomei conhecimento de “Tudo Outra Vez” e algumas outras canções de um álbum reconhecido como um clássico da MPB.

Algum tempo depois testemunhei um casal dançando “Tudo Outra Vez” de “rosto colado” em uma festinha…

Como escrevi acima, não sou um admirador fiel do trabalho de Belchior, embora viesse ouvindo muito algumas de suas canções no “YouTube”; vídeo de Chico Anysio declamando “Galos, Noites e Quintais” com o autor na plateia, “Sujeito de Sorte” e uma canção que, ouvindo-a uma vez voltei nela seguidas vezes, “Aguapé”, dueto com Fagner, do álbum “Soro” (há outra versão, em um outro disco do Belchior).

Belchior sempre preferi em outras vozes; Elis Regina no “Como Nossos Pais”, “A Palo Seco” com Fagner (álbum “Ave Noturna”). Há parcerias Fagner/Belchior na voz de Fagner no álbum de estreia deste, “Manera Fru Fru, Manera”, “Moto1“ e “Mucuripe”(esta gravada por Roberto Carlos) que considero definitivas. E “Paralelas” na voz de Vanusa e Erasmo Carlos. Mas há seus registros que são marcantes, claro.

Mas não conheço muito mais que isto de uma carreira de décadas.

Música brasileira tem sido cada vez mais um segmento restrito aos círculos universitários, parece. Teve suas décadas de apelo popular, em dias menos miseráveis nas rádios.

Belchior me lembra muita coisa, porém…

As rodas de violão do “Henricão” (conjunto habitacional de prédios, aqui de Belo Horizonte, onde morei parte de minha adolescência), rodas de violão em Viçosa (onde morei parte da juventude), alguma participação do cantor e compositor em algum programa de TV …

(Falar em programa de TV, lembro dele no Clodovil, então na “Rede Manchete”, dizendo com bom humor que sua família era numerosa pelo fato do trem não passar perto…)

Lembranças esparsas e poucas. Culpa apenas da TV?

O que sempre me chamou a atenção em seus admiradores era a surpresa com que me olhavam quando eu declamava para eles, de sopetão, algum verso das canções que eles cantavam:

“Hoje sei que quem me deu a ideia de uma nova consciência e juventude/está em casa/guardado por Deus/contando o vil metal”

ou

“Pois o que pesa no Norte/pela Lei da Gravidade/disso Newton já sabia: cai no Sul/grande cidade”, e desta mesma canção

“A noite fria me ensinou/ a amar mais o meu dia”

Os cantadores de boteco pareciam cantar estes versos “no automático”, sem refletir. Sempre sorriam e confessavam : “Nunca prestei atenção nesta frase, sabia?”

Outro colega comprou, nos anos ‘90, álbum recém-lançado de Belchior, “Baihuno”. Propus que tocasse o disco para mim. O colega pretextou qualquer coisa, mas o olhar dizia: “Brincadeira tem hora”. E não o tocou nem ali naquele momento, nem em outro…

Nos últimos tempos, soube do compositor e cantor cearense pelos motivos estranhos à sua carreira, como toda gente…reportagem do “Fantástico” sobre seu “sumiço”…Triste saber de um artista assim, por estes meios, por estes motivos.

Ah! Lembro de um amigo que de fato gostava mesmo do Belchior (e dele lembrei assim que soube da morte do artista); chegava até nós e declamava (para tédio de alguns que diziam:”Putz! Começou…”) letras menos conhecidas de seu repertório, e identificava as mais diversas composições pelos álbuns.

Mas foi o único nestes anos todos.

Posso ter morado nas cidades erradas e conhecido as pessoas erradas de seu público, mas a depender destas amostras, era um público que desanimava qualquer artista brasileiro a continuar lançando álbuns para saudosistas que exigem, década depois de década, as mesmas canções, cujas letras cantam sem pensar, sem sentir…

Quando converso com mais jovens, estes se admiram quando descrevo o que era o público de Raul Seixas ali pelos anos ‘80. Hoje vejo mais gente ouvindo álbuns como “Mata Virgem” e “Por Quem Os sinos Dobram” que nos meus dias adolescentes.

O mesmo digo do Tom Jobim, quando morreu no início da década de ‘90.

Diria o mesmo de Cartola e seu fim se me lembrasse, aposto. Pois lembro da morte do Nelson Cavaquinho, ali pelos anos ‘80.

“Aqui os mortos são bons/pois não atrapalham nada/pois não comem o pão dos vivos/nem ocupam lugar na estrada”,
cantam Fagner e Belchior em “Aguapé”, o dueto que, ouvindo uma vez, me tornei apaixonado (e coloco no “YouTube” com frequência).

Lembrei destes versos nesta semana, pensando na sua morte. Na morte de tanta gente.

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