“Notas”- 09/03/2017

Sobre formação por leituras

Conheci, há alguns anos, professor de Cálculo na Universidade Federal de Viçosa e perguntei a ele sobre sua facilidade em matemática; nunca fui bom na matéria, muitas reprovações escolares devo a ela.

“Comecei pelo livro do ‘Ferrugem’ (comediante, estrela de humorísticos nos anos ’70 e ’80). Lembra do livro didático com o ‘Ferrugem‘ na capa? Fui fazendo todos os exercícios dele, e dali fui avançando.”

Nunca encontrei valente disposto a me ensinar Cálculo, pois eu precisaria antes tomar aulas dos conceitos e exercícios do Segundo Grau, sem os quais aprender Cálculo é impossível. Ou possível, se  consumindo  o tempo que seria gasto neste estudo preliminar.

O estudo em todos os campos do conhecimento parece ser assim: complementar e derivativo.O sujeito para aprender no nível avançado de determinado campo deve saber, de preferência dominar, os campos básico e intermediário.

Há um campo, porém, onde muitos parecem considerar este cuidado dispensável: o campo das “Humanas”. Literatura e ciências sociais em geral parecem acessíveis a qualquer mente disposta ao aprendizado; não precisa começar pelo começo, pelo mais fácil:

“Se Fulano, que não sabe resolver equação de Primeiro Grau, lê Herbert Marcuse aos pulos, por que não eu? Se Beltrano, que não sabe o que é uma raiz quadrada, lê Leon Trotsky como um taxista lê o noticiário policial, por que eu não o leria sem ajuda de leitura auxiliar?”

E assim muito estudioso improvisado de “marxismo cultural”e “Revolução Permanente” se forma,  e deixa suas impressões e juízos nas redes sociais.

Não culpo quem se atira nos livros com afoiteza, e sim quem não adverte sobre as dificuldades embutidas; dificuldades, repito, que estão presentes em todas os campos do conhecimento.

Quando perguntado sobre o início da vida de leitor, respondo que dei a sorte de ter livros em casa; minha mãe comprava nas bancas a coleção “Literatura Comentada”, da Ed. Abril e eu ia lendo aqueles fascículos, e desta maneira me afundei na Literatura Brasileira. Meu pai comprava nas bancas coleção inglesa sobre as duas guerras mundiais, publicada no Brasil pela Ed. Renes, e eu também ia lendo, fascinado. O que não entendia, perguntava.

Mas li também muito livro da “Coleção Vagalume”, da Ed.Ática, de literatura infanto-juvenil. Lembro dos livros do Marcos Rey desta coleção e não os considero descartáveis, ainda são excelente maneira de adquirir hábito de leitura. Da mesma editora, havia as coletâneas de crônicas, “Para Gostar de Ler”; autores como Fernando Sabino, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade (sim, conheci-o primeiro como cronista) entraram assim no meu horizonte, e dele até hoje não saíram.

Mais adolescente, fui apresentado aos livrinhos da Ed. Brasilense. Livrinhos de bolso que forneciam ao leitor os rudimentos de assuntos e autores; coleções “Primeiros Passos” sobre ideologias e instituições, e “Encanto Radical” sobre autores.

Há quem despreze estes livrinhos, considerando-os superficiais e alegando antipatia por coleção que tem, entre seus autores, Marilena Chauí e Leandro Konder.

Bom, se são livros de divulgação imediata, bobagem exigir deles mais que alguns conceitos básicos, e julgo um luxo exigir autores quando os livros disponíveis no mercado ao preço acessível sejam estes. Gostando ou não das ideologias destes autores, inegável seus conhecimentos sobre os temas. São autores que também colaboraram em outra iniciativa de divulgação, mais respeitada, pois dirigida a leitor mais avançado:
“Os Pensadores” da Ed. Abril.

Também tive a felicidade de ter em minha casa alguns destes volumes, e ler alguns outros em bibliotecas. É ainda obrigatória, ainda que eu concorde com as observações que Olavo de Carvalho dedica a ela n”O Jardim das Aflições” (e ainda assim, Olavo fez questão de frisar a obrigatoriedade desta coleção a quem não conta com suas congêneres de países do Primeiro Mundo): faltam nela autores importantes, e a coleção é um típico produto da linha de montagem da USP (USP da década de ’70, sim?).

Mas não se deve perder oportunidade de comprá-la, para leituras e releituras.

Não é vergonha começar pelo começo.

Vergonha é alegar estas e aquelas razões para não iniciar vida de estudos. O Google não substitui o livro impresso, e as releituras que o mesmo favorece.

Sem este início, as reflexões serão meras reproduções do que diz X ou Y, e noto em muitos debatedores de internet a lacuna que debilita argumentos e torna as discussões bate-bocas.

Aos sebos, pois!

Neles as armas e munições para a guerra ideológico – cultural; que o Google seja o único recurso dos inimigos na guerra pelas mentes!

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